segunda-feira, 23 de abril de 2012

A minha longa travessia do deserto. Marrocos. (Parte I)



Que caminho tão longo!
Que viagem tão comprida!
Que deserto tão grande
Sem fronteira nem medida!

José Mário Branco

Ao longo da nossa existência somos ocasionalmente levados por uma circunstância ou por outra a fazer “longas travessias do deserto” como vulgarmente lhe chamamos, que no fundo podem ser momentos pessoais, sendo estes completamente diferentes de individuo para individuo, desde momentos de reflexão e introspecção, a desafios pessoais, como uma licenciatura ou um doutoramento, ou desafios físicos, seja participar numa maratona, de bicicleta ou um "ironman", entre tantos outros.

Pessoalmente tive momentos destes em diversas fases da minha vida mas esta, que agora descrevo, foi a minha longa travessia no deserto, no sentido literal do termo. Encontrava-me há cerca de um mês em Marrocos e queria ver e sentir o deserto. No entanto, sabia exactamente o que não pretendia. Não queria que fosse de jipe onde, em poucas horas se percorre dezenas de quilómetros, onde tudo o que me importava, me passaria completamente ao lado e também não queria uma experiência fugaz, típica de uma qualquer pessoa que tem pouco tempo e para o qual existe algo pré-programado. O que seria algo como ir num camelo em grupo para trás de uma duna, onde existe um acampamento a poucas centenas de metros da cidade mais próxima. Daí sobe-se à maior duna nas redondezas, observa-se o pôr do sol, come-se, dorme-se, e de madrugada regressa-se à cidade.

Não era de facto isto que pretendia. Queria algo exactamente como idealizava, e isso seria algo muito mais próximo do desafio físico e psicológico, que supostamente se aproximaria de uma travessia no deserto. Queria desmontar tudo aquilo que pertencia ao meu imaginário, criado pelo cinema e pela literatura, queria sentir a escassez de água, a força do sol e do vento na face, uma tempestade do deserto, que o chão suave onde estaria a pernoitar seria uma duna, sentir o silêncio que o deserto tanto imortalizou.
Para conseguir realizar um pouco de tudo isto, desloquei-me desde Ouarzazate, sempre à boleia para sul, pelo vale do Draa, até Adgz, daí até Zagora, e pela pequena estrada que nos leva às portas do deserto, em M’hamid, a cerca de 500 quilómetros da partida inicial. 

No exato momento que cheguei a esta pequena vila desenvolvia-se uma tempestade de areia, fortíssima, que se formara durante o fim de tarde, com efeitos muito próximos do nevoeiro cerrado, que pouco nos deixa ver para além de uns escassos metros, numa analogia que me transportou para os meus tempos de universitário, precisamente ao terminal dos barcos da soflusa no Barreiro, quando acordava de manhã sob um forte nevoeiro para ir para a Universidade e os barcos não podiam partir. Ali ficava eu impossibilitado de ir para Lisboa, e sem outra hipótese no horizonte, ser obrigado a regressar a casa.
Estando ali depois de tantos quilómetros, esta analogia assustava-me um pouco pela possibilidade de eu também ver a minha travessia do deserto ser adiada ou até cancelada, por motivos simplesmente metereológicos. Lembro-me de dormir nessa noite a pedir a uma força qualquer, superior que quando acordasse na manhã seguinte, tivesse condições, para que pudesse de facto começar aquele desafio.

Lembro-me bem do momento em que acordei e quando me levantei e, com bastante receio, abri lentamente as portadas de madeira azuis do meu quarto para espreitar o céu e da minha felicidade, quando vejo um céu azul, completamente límpido, despromovido de qualquer vento, areia ou até nuvem, e da força que imediatamente se apoderou de mim, para começar da melhor forma este desafio.







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